segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mãe Cleusa


 Meu coração se encheu de alegria, hoje finalmente consegui escrever sobre você. Como éramos uma dupla, muitos diziam isso, tentei contar um pouco sobre acontecimentos relatos por ti no sofá da sua casa, ou das várias casas. 
Mas nunca terá uma definição do que você representou pra mim, Lourival, Mattoli, Roberto, Penha, Paula Fernanda, Renata, Moraes...sentimos na pele a sua perda, e nunca iremos substituir você. Sempre a levaremos nos nossos corações.




Parte de mim...

Quando eu a conheci todos a chamavam de mãe Cleusa, ou mãe, simplesmente, mas nunca entendi o porquê de chamarem ela assim. Aí, eu me apresentei, aliás ela adorava contar essa história. Disse que já me conhecia e que eu daria uma ótima passista, alta , bonita com traços fortes, eu nem dei muita atenção, ela também dizia isso...Enfim, no outro ano lá estava eu novamente, concorrendo à Corte do Carnaval, ano de 99. E eu entendi o porquê de mãe, ela me ligava, perguntava se estava tudo bem, se eu precisava de alguma coisa, se eu tinha o apoio da escola que iria representar, TUDO ela queria saber. Para o bem de todas ela sempre esteve nos bastidores.  Nosso marco foi na quadra da Tucuruvi, depois de uma conturbada história naquela eliminatória. Os anos passaram e eu nunca mais larguei aquela mulher. Que me dava total apoio em tudo e dizia sempre que eu podia. 


Esses últimos dez anos minha história se confunde com a dela, e vice-versa. Poucas vezes fiquei sozinha, pois sempre tinha nela um apoio. E confesso que escrever sobre ela é difícil e me dá uma saudade absurda. Mas jamais vou deixar de dizer o que ela dizia, e de lembrar como ela era. Feliz, e amada.



Trajetória



Cleusa Aparecida da Silva Viana, começou a dançar cedo. Cansou de contar suas histórias de viagens pelo mundo. Sempre falou que a primeira escola que ela pisou foi o Vai-Vai, quando Paulo Valentim a levou para lá. Sofreu com eles, dizia que na época da Ditadura ela fugia para não ser pega. Mas a escola que balançou seu coração foi de fato o Camisa Verde e Branco. Tinha um carinho imenso por Dona Sinhá, dizia que ela no final das contas resolvia as situações. Desfilava em várias escolas, mas nunca deixou de descer com sua escola do coração e ficou durante anos à frente da bateria.

A vida dela era a dança, porém nunca deixou de estudar e se dedicar ao trabalho em prol do Carnaval. Dividia a sua vida entre a casa, pois tinha 4 filhos, o candomblé, a dança e o samba. Foi a primeira passista paulista a dançar com Sargentelli. Achava pejorativo o termo MULATA, odiava quando a chamavam assim. Através dela conheci os Novos Crioulos, e na última apresentação que fizemos eles revelaram: “ A Cleusa era mulata de verdade, sambava como ninguém, não ficava enrolando”, amigos de uma vida inteira, com ela dizia. Trabalhou durante anos pelo Brasil com o Super Som Tea, e foi lá que teve que parar pois teve um problema no joelho.

História do Carnaval por ter sido uma das fundadoras do Paulistano da Glória, junto com Geraldo Filme de Souza, seu grande amor. Ainda teve a responsabilidade de ostentar o pavilhão do Paulistano. Fez parte também da fundação da Pérola Negra, que se gabava em dizer que era o símbolo da escola, a Mulher Negra que saia do Surdo. Nunca deixou morrer a imagem de Geraldo, ou Geraldão da Barra Funda, como ela falava. Cansou de contestar que ele era Vai-Vai e sim Camisa, pois foi lá que ele começou. Ela batia no peito: “Sou Verde e Branco até a Morte”. Em 2002 eu comprovei isso, ao ouvir sua bateria tocar e o hino do Camisa iniciar ela batia no peito, chorava de soluçar, gritava, eu achei que ela fosse ter uma parada cardíaca, jamais, ela desceu a avenida cantando e cantando e apresentando o seu casal, Claudio e Claudia, à época eram segundo casal.

Quando criou o projeto Renovação das Raízes Autênticas do Samba Paulista tinha a certeza que conseguiria seu objetivo, e conseguiu, levou à escola Águia de Ouro e por quatro anos ensinou os mais novos a história do Carnaval Paulistano. Sempre falava : "todos têm que falar, é preciso falar para todos saberem, e entenderem". Disso ela nunca teve medo, de falar enfrentava tudo e todos para dizer o que achava, e odiava aqueles que falavam mal de suas agremiações. Por mais que estivesse longe do Camisa, nunca deixou de amar aquele pavilhão, mas deixava claro que as pessoas é que atrapalham e denegriam as escolas - o tal poder é que atrapalha - , constatava.

No entanto tenho a certeza de que ela gostava era de estar nos bastidores da Corte Carnavalesca. E foi no Anhembi que ela conheceu e criou as melhores passistas, e ensinava a elas o valor da Corte para o Carnaval, e suas histórias. Seu Chicle foi um dos maiores apoiadores e  a ajudava, porém quando Seu Chicle nos deixou ela ficou sozinha fazendo esse trabalho, ou melhor tentando. Além de muitos não darem ouvidos a ela, muitas pessoas acham que a Corte do Carnaval não é mais a mesma, foi banalizada.

Pois bem, como ela era uma guerreira não desistiu e foi à luta. No dia 15 de janeiro, de 2010 a UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas) realizou aquele que era seu maior sonho, um concurso a altura do nosso Carnaval. Grandioso, glamoroso e com o que há de melhor, o sambista. "O Concurso MISS UESP e Passista de Ouro, foi um sucesso, todos só falavam da nova corte" - a titia sabe fazer- comentava emocionada. Seu coração se encheu de orgulho, viu um sonho realizado, mais um em sua vida.

E como ela era querida por todos, desfilou esse ano na Imperador do Ipiranga, convidada pela ala das Baianas. E na Escola de Samba Mancha Verde que fez um homenagem a ela e a alguns Baluartes que fizeram parte da história da escola e ensinaram o presidente Paulo Serdan um pouco de samba.  No entanto, poucos sabiam que estava debilitada e precisava descansar, mas como ela não vivia sem ir para a avenida, ela foi. Feliz da vida, parecia que pressentia que esse seria seu último Carnaval.




A nossa embaixatriz e cidadã samba de 2009, títulos que a deixava muito feliz pelo reconhecimento, nos deixou no dia 02/04/2010 e levou seu samba para ser cantado, tocado e dançado com Geraldo Filme, Seu Chicle, Dona Sinhá, Elaine ( Mocidade Alegre), Denise ( embaixatriz ), Tobias ( Mocidade Camisa Verde e Branco),  Paulo Telles, Sonia ( Porta - Bandeira), Gilsa ( Porta - Bandeira ), Eduardo Basílio,  e tantos outros que fizeram história, e que ela não se cansava de contá-las.


Obrigada por deixar tantos ideais e nunca nos esqueceremos.




Eternamente.









http://www.youtube.com/watch?v=-vMSTJ15xi0&feature=related

Aúdio



NEGROS MARAVILHOSOS - MUTUO MUNDO KITOKO - 1982 3º Lugar
Compositor:
Talismã


Achei uma bola de ferro
Presa nela uma corrente
Tinha um osso de canela
Deu tristeza em minha mente
Esse osso de canela
Veio de outro continente

De jeito nenhum, não é preconceito
Negro ou Branco têm direito
Nossa escola não faz distinção de cor
Pra falar sobre esse tema
Foi que surgiu o problema
E o dilema se avizinhou

ÔÔ, ÔÔ, a nossa escola
Enaltece a negra gente
Que nunca ficou chorando
Sempre viveu cantando, fingindo contente

Negro paga imposto
Negro vai a guerra
Negro ajudou a construir a nossa terra
Temos a pergunta
Não nos leve a mal
Por que só no triduo de Momo
Que o negro é genial?

Ele é capitão
Ele é general
Poderia ser tantas coisas
Dentro da vida real
Laia laia laia laia laia, ôô

5 comentários:

  1. Lindo seu texto, cheio de carinho e amor.
    Respeitar a tradição e a verdadeira raiz do samba é importantíssimo, fiquei emocionado em ver que reconhece não só como amiga, mas também como símbolo da cultura popular.

    PS: Deu-me vontade de ter conhecido Mãe Cleusa, que esteja sambando por aí em um outro lugar qualquer onde o samba toca toda hora e a alegria é presente.

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  2. o Ly!
    Que texto lindo!
    E que bom que voce começou a escrever um bçog! parabens!
    beijos! mattoli

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  3. Meus parabéns pelo texto. Além de muito amor e verdade nas palavras, uma aula da história do carnaval de São Paulo que se confunde com a história de Mãe Cleusa.
    Estamos com um samba no Camisa e espero que Mãe Cleusa, possa nos abençoar do lugar onde estiver.
    Sds
    Pank

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  4. OI, não nos conhecemos, mas numa saudade procurei por ela na internet e achei seu blog...vc sabe se alguém continua o trabalho dela? de camdomblé? abraço. Melissa

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    1. Melissa, têm os irmão e irmãs de Santo dela, mas se vc procura a Cleusa em alguém não encontrara.
      Bj.

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